"Na África do Sul, o racismo é explícito; no Brasil ele é implícito", diz fotógrafa brasileira em Joanesburgo
Renata Larroyd nasceu em Florianópolis, morou em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e em sete países. Formada em administração, ela decidiu mudar de profissão e hoje, aos 29 anos, é fotógrafa do Mail & Guardian, principal jornal sul-africano. À RFI, ela falou sobre sua experiência no país e comparou a segregação racial da África do Sul à do Brasil.
Kinha Costa, correspondente da RFI em Joanesburgo
A catarinense Renata Larroyd sempre gostou de fotografar. A primeira câmera profissional comprou com suas economias, ainda muito jovem. Outra paixão era conhecer culturas diferentes. Morou nos Estados Unidos, Alemanha, Uruguai, Chile, Rússia, Espanha e agora vive na África do Sul.
A jovem sempre foi convidada para fotografar eventos familiares e festas dos amigos. Fotografou muitos casamentos, formaturas e bebês recém-nascidos. Para ela, a fotografia era até então uma atividade semiprofissional. Mas, em 2015, quando morava em Belo Horizonte, decidiu investir na fotografia como profissão. E começou a procurar cursos profissionais fora do Brasil.
Entre Nova York, Havana e Joanesburgo, foi na "Cidade do Ouro" - como é chamada a metrópole sul-africana - que descobriu o fotojornalismo.“É uma terra de muitas texturas, diversidade, muitas histórias e o custo de vida é relativamente baixo”.
A relação de Renata com a África do Sul já era antiga, pois, durante a sua adolescência, no Brasil, sua família recebeu uma jovem sul-africana de intercâmbio cultural. Desde então, ela alimentou o sonho de um dia conhecer o país.
Missão: fotógrafa
A experiência no Mail & Guardian, o principal jornal da África do Sul, se deu através do curso de Fotojornalismo e Fotografia Documental que fez durante o ano de 2018, na Escola Market Photo Workshop. O ano letivo da escola é dividido em quatro trimestres e, no início do terceiro, Renata foi enviada para o jornal com a missão de fotografar e publicar o seu trabalho.
Na época, ela não tinha a menor ideia do alcance e da importância do jornal, mas gostava da linha editorial e principalmente da qualidade das fotos. Em sete semanas, mais de 40 imagens clicadas pela jovem foram publicadas, principalmente retratos de artistas, mas também notícias e histórias de pessoas simples, inseridas em diferentes contextos sociais.
Cobertura do carnaval brasileiro
Neste mês de fevereiro, Renata está no Brasil para rever a família e cobrir o carnaval 2019 para o jornal sul-africano. Com suas fotos, ela pretende mostrar o que existe por trás de um dos maiores eventos populares do planeta e “desmontar os estereótipos que a maioria das pessoas têm, principalmente com relação ao papel da mulher, e retratar as verdadeiras histórias de superação e de comunidades por trás dessa grande festa”.
O plano é voltar a tempo de cobrir as eleições sul-africanas, que serão realizadas no início de maio. “Será bem interessante voltar, poder registrar o acontecimento e fazer um paralelo entre o que aconteceu em 2018 no Brasil. As histórias se repetem, apenas mudam de endereço. O Brasil e a África do Sul são muito parecidos até no ambiente político. Eu pretendo fazer esse paralelo entre esse jogo político que existe tanto no Brasil como na África do Sul”, conta.
Questão racial
À RFI, a fotógrafa também falou sobre racismo. “O ambiente na África do Sul, em geral, é extremamente segregado, infelizmente. Sou uma mulher branca, nunca usei a minha raça como argumento para conquistar nada. Aqui a questão racial é sempre pauta. As pessoas usam para qualquer tipo de argumentação. O racismo é muito presente, claro, explícito. No Brasil o racismo é implícito", avalia.
Segundo ela, o que a levou a conquistar uma vaga no jornal Mail & Guardian, foi a sua capacidade de se adaptar rápidamente e de conseguir transitar em qualquer ambiente. O sucesso nas relações com os sul-africanos, independentemente de cor, status social ou crença, será a sua contribuição para o mundo da mídia e para a sociedade sul-africana em geral, diz a jovem: “Acho que pude mostrar para os meus amigos que se relacionar com pessoas de diferentes origens, sem preconceitos, é bacana”.
Ela conta o que mais aprendeu em sua experiência fora do Brasil. “Hoje sou mais sensível à questão da justiça social. Todas as pessoas deveriam ter a oportunidade de viajar para o exterior, ter outras vivências, pra desmitificar conceitos e preconceitos, fazer novas amizades e abrir a mente. Eu não tinha essa percepção no meu mundo privilegiado de Florianópolis. Hoje sou uma pessoa melhor. Estou lutando mais pelas minorias e para equilibrar a igualdade social no Brasil e no mundo, através da minha fotografia", conclui.
Brasileira e negro zulu, casados há 13 anos, comparam o racismo no Brasil e na África do Sul
A carioca Ana Terra Skosana, casada com o sul-africano Tshepo Skosana, membro da etnia zulu, o maior grupo étnico da África do Sul, considera que ainda existem fortes discriminações contra os negros mais de duas décadas depois do fim do Apartheid, o regime de segregação racial. O casal multirracial recebeu a reportagem da RFI em sua casa em Joanesburgo.
Kinha Costa correspondente da RFI na África do Sul
Na época do regime de supremacia branca, eles seriam um casal ilegal e sujeitos a multa ou prisão, porque existia a Lei de Imoralidade que proibia qualquer relação afetiva, sexual ou o casamento entre pessoas de diferentes raças. Felizmente, com o fim do regime separatista, essa e outras leis foram extintas e, hoje, a África do Sul tem uma Constituição (1996) considerada uma das mais modernas do mundo.
No entanto, os resquícios do antigo regime ainda são muito evidentes, apesar dos novos tempos, do esforço do governo e da sociedade para integrar seu povo e criar a Nação Arco-Íris, tão sonhada por Nelson Mandela. A grande maioria da população de 56 milhões de sul-africanos continua vivendo separada em grupos raciais.
As famílias multirraciais ainda causam desconforto, desdém, pena, cochichos e as mais inesperadas e bizarras reações, como a do juiz de paz, branco, que não queria realizar o casamento deles. Muitos africânderes, como são chamados os descendentes dos holandeses que colonizaram a região, ficam indignados porque pensam que Ana é sul-africana e, portanto, descendente de holandeses. Negros de diferentes etnias também estranham o casal, pela razão mesma razão, como se ela estivesse casada com um inimigo.
O casal se formou sem pensar em cor de pele, racismo e discriminação. Ela, com 19 anos, brasileira e branca. Ele, com 21 anos, negro, sul-africano, zulu. Para dois jovens apaixonados nada demais. Para a estrutura familiar e a sociedade em geral, um bicho de sete cabeças.
Ana e Tshepo se depararam com o racismo desde o início. O casal teve que amadurecer e lidar com o preconceito racial dos seus pais e familiares. E identificar o racismo brasileiro, que não é explícito, mas que está enraizado na sociedade. Não foi fácil enfrentar a rejeição familiar, a dissimulação social, os olhares e os comentários sem sutileza.
Expulso de casa pelo pai da noiva
“No Brasil foi duro. Na África do Sul, eu era somente um jovem mimado que vivia em uma bolha. O racismo era algo sabido, mas nunca vivido explicitamente. Me perceber rejeitado pela família da moça por quem estava apaixonado, foi chocante", conta Tshepo.
Por ter a pele clara, ele era considerado mulato no Brasil, e a questão profunda e discriminatória ficava escondida, apesar dos seus dreadlocks. A discriminação se manifestava em situações simples. Por exemplo, a família de Ana não entendia por que o jovem negro sul-africano, que mais parecia um garoto das favelas cariocas, escolheria morar em Ipanema, bairro chique da zona sul do Rio de Janeiro. Ser fino, instruído, educado e ter bom gosto não estava no programa.
"Um dia, o pai da Ana me expulsou da casa dela. Era carnaval, sem ter para onde ir, fiquei dois dias perambulando pelas ruas do Rio", se recora Tshepo. "Mas, revendo tudo, acho que tivemos sorte. Sem falar português, arrumei um emprego bacana, em uma empresa de assessoria financeira para expatriados, que viviam no Rio de Janeiro. Com um bom salário. Foi aí que mandamos todos às favas. Fomos morar juntos, num bairro bucólico da Zona Sul do Rio de Janeiro, em um apartamento no bairro do Cosme Velho. Tenho um carinho enorme pelo Brasil. Tudo que acontece lá me afeta, porque foi no Brasil que me tornei o homem que sou.”
"No Brasil, as discriminações são de classe social"
Na África do Sul, os familiares zulus, o maior grupo étnico do país, são orgulhosos de sua cultura e tradições. Ritos que para muitos são caducos, como o dote que o rapaz tem que pagar aos pais da noiva, o teste de virgindade para as meninas ou ser reservado ao pai do noivo o direito de escolher o nome do primeiro filho do casal.
Ana e Tshepo dispensaram formalidades e tradições e criaram o núcleo familiar baseado em seus valores e suas formas de ver o mundo. Eles sofreram e sofrem, mas o casal tem encontrado mais paz e sossego depois de 13 anos juntos. Não que a aceitação seja plena e que, por alguns momentos, eles possam esquecer que têm uma família diferente. Mas, porque sabem que mudanças estruturais demoram muito tempo e que a luta é diária.
E que por terem um filho, planejado e esperado, precisam olhar para o futuro com esperança. Para Ana, “o racismo na África do Sul é bem claro. As etnias que existem no país são diferentes e as pessoas se identificam com quem gostam e com quem desgostam.
É assim que ela vê as pessoas se expressando, quando são racistas. Para Ana, "no Brasil, as discriminações são voltadas para a classe econômica, a posição social. A situação geográfica também influencia. Se é nordestino, sulista ou nortista. Um branco pode hostilizar outro branco por ele ser mais pobre. Ou um negro ser racista com um pardo, porque ele é nordestino e o outro carioca", comenta.
O racismo brasileiro tem similaridades com o sul-africano, mas é mais "hipócrita” na avaliação de Ana. Já para Tshepo, na África do Sul, “a discriminação é bem visível. A gente tem que viver com isso todos os dias. É um assunto bastante discutido aqui. Acho que temos que estar somente abertos para lidar com tão importante e delicado assunto”.
Na África do Sul, a segregação é feita pela cor. No Brasil a miscigenação é um fato, mas infelizmente é uma faca de dois gumes porque disfarça o racismo existente, estima a brasileira.
Missionário brasileiro vive com população nômade em Burkina Faso
A vontade de trabalhar na África surgiu na adolescência, em Fortaleza, onde nasceu Cristiano Carneiro da Silva. Treze anos atrás, o brasileiro foi para o Burkina Faso, ex-colônia francesa, situada na região oeste do continente africano, e um dos países mais pobres do mundo. Lá, tornou-se missionário.
Por Fábia Belém, correspondente da RFI no Burkina Faso
“Eu faço parte da Missão Horizontes Mundial, que tem um trabalho dentro de Burkina Faso com uma associação. A prioridade é trabalhar com movimento de oração pelas pessoas, buscando formas de ajudar os mais carentes e necessitados deste país. No meu caso, eu vivo entre o povo fulani”, conta Silva.
Os fulanis ou fulas são um grupo étnico formado por diversas populações espalhadas pelo continente africano. “São boiadeiros semi-nômades e nômades”, explica o missionário.
“Fulfulde”, a língua dos fulanis
Segundo Cristiano, possuir um animal, “uma vaca ou uma cabra ou um bode”, é um fator importante no processo de interação com as pessoas da comunidade. Ele também destaca que foi preciso aprender a língua dos fulanis para ter sucesso no trabalho. “Foram praticamente três anos estudando fulfulde, morando na oca com eles, com uma vaquinha, e vivendo a vida como eles vivem”, lembra o missionário.
Cristiano é casado com uma brasileira e tem duas filhas pequenas. A primeira nasceu no Brasil. A segunda, em Burkina Faso. Atualmente, a família mora no centro-norte do país.
O missionário se adaptou à vida local - inclusive à escassez de água e de energia elétrica. “Por causa das baterias e as placas solares, nunca falta [energia]. Toda a minha energia é graças ao sol, por isso eu nunca reclamei do sol”, brinca.
A vida sob a ameaça do terrorismo
Cristiano também não reclama do calor, nem da poeira fina que vem do deserto do Saara. Tem aprendido, até a viver sob a constante ameaça de novos atos terroristas. Desde janeiro de 2016, Ouagadougou, capital do país, já foi alvo de três ataques.
Mas desistir do trabalho em razão das dificuldades diárias nem passa pela cabeça de Cristiano. “Eu me sinto realizado no que eu estou fazendo, que é ajudar as pessoas. A felicidade está no meu coração.”
Artista brasileira faz residência em centro cultural que combateu o apartheid
A carioca Celina Portella, 40 anos, está encerrando uma residência em artes plásticas em Johanesburgo, na África do Sul. Em entrevista à RFI, ela conta como foram os três meses que passou na Bag Factory Arts Studios, um complexo de estúdios no centro da cidade e símbolo de resistência política no país que enfrentou décadas de segregação racial.
Kinha Costa, de Johanesburgo para a RFI
O Bag Factory Arts Studios foi criado durante o apartheid e tornou-se um centro de convergência de artistas, sul-africanos e estrangeiros de todos o horizontes. Foi o primeiro estúdio do país a colocar, lado a lado, artistas brancos e negros dividindo o mesmo espaço de trabalho. O local continua sendo um espaço que questiona e estimula o pensamento criativo.
A formação de Portella vem de estudos de dança contemporânea em várias escolas do Rio de Janeiro, uma graduação em Design pela PUC-RJ e em Artes Plásticas na Universidade Paris 8. Ela trabalhou muitos anos como bailarina e colaboradora de coreógrafos, em companhias de dança contemporânea. Há quase duas décadas, trabalha com artes plásticas e dança.
A partir do vídeo e da fotografia, suas obras dialogam com a arquitetura e o cinema, sempre questionando a representação do corpo e sua relação com o espaço. O foco central de sua obra é brincar com a realidade virtual e as ações corporais. A carioca define seu trabalho “no terreno ambíguo entre o material e o imaterial, entre a objetividade do mundo e a ilusão”. A sua obra tem a capacidade de transformar uma ação performática em situações inusitadas e imponderáveis. De provocar discussões, definições, intenções e conceitos.
Para Portella, o início da temporada em Johanesburgo foi um desafio. Ela se deu conta de que a troca cultural entre os dois países é praticamente inexistente. "Artistas brasileiros conhecidos no mundo, são desconhecidos aqui. O mesmo se aplica aos artistas sul-africanos no Brasil", constata.
Passado o primeiro momento da adaptação, ela começou a ver pontos de ligação entre o Brasil e a África do Sul, e a se reconhecer no povo sul-africano, que é hospitaleiro, simpático, generoso e alegre, segundo ela, como o povo brasileiro.
Prêmios
Celina Portella recebeu indicação ao prêmio da Bolsa ICCO/sp-arte 2016, ao prêmio de aquisição EFG Bank & ArtNexus na SP Arte 2015 e ao prêmio Pipa 2013 e 2017. E foi premiada na XX Bienal Internacional de Artes Visuales De Santa Cruz na Bolívia em 2016, assim como no II Concurso de Videoarte da Fundação Joaquim Nabuco em Recife.
Ela realiza mostras individuais, coletivas, dá aulas e ministra workshops, além de participar de residências, com destaque para a residência no Centre International d’accueil et d’échanges des Récollets em Paris, da LABMIS, do Museu da imagem e do Som em São Paulo, na Galeria Kiosko em Santa Cruz de La Sierra na Bolívia, entre outras.
Celina volta para o Brasil com uma bagagem de grande aprendizado: novas técnicas, formas novas de trabalhar, de conviver e muita informação que poderá compartilhar no Brasil, além de objetos de arte popular e muitos tecidos sul-africanos e africanos, em especial Shweshwe.
Agência de brasileira promove roteiros personalizados na África do Sul
Uma paixão além-mar levou a empresária paulistana Kika Ermel para a África do Sul em 2007, guiada também pelo sonho de empreender e tocar o próprio negócio. Foi num cruzeiro pelo Caribe que ela conheceu o futuro marido e sócio, João Freitas, nascido em Maputo. Há 11 anos, o casal toca a Route 66 Escapade Tours, que orienta turistas lusófonos e hispânicos em Joanesburgo.
Kinha Costa, correspondente em Joanesburgo
O funcionário do navio e a turista se conheceram em 1995. Viveram uma paixão que estava destinada a acabar com o fim das férias, mas sobreviveu à distância e aos poucos encontros, por mais de uma década.
A África do Sul vivia um momento político especial com Mandela presidente: a esperança no futuro se renovava, a conjuntura econômica tornava-se mais atrativa, os exilados voltavam. Foi o caso de João Freitas, que em 1996 se reinstalou no país onde cresceu. Na capitalm sul-africana, ele abriu a empresa de turismo, focada na clientela em português e espanhol.
Enquanto isso, o namoro virtual com Kika era alimentado por encontros de férias. Na época, ela administrava a empresa Ausplix, uma confecção especializada em camisetas de alto nível em São Paulo. Apesar do conforto profissional, resolveu que era hora de dar uma guinada em sua vida.
A entrada da paulistana na sociedade expandiu os horizontes da Route 66 Escapade Tours, que passou a oferecer hospitalidade para turistas brasileiros. Kika e João, conhecidos como “desenhadores de viagens”, são operadores especializados em destinos de safáris por toda África do Sul e organizam transporte, hospedagem e passeios. São guias culturais credenciados e atendem de forma personalizada.
As viagens valorizam a rica fauna e a abundante flora sul-africana, privilegiando os safáris de luxo, assim como passeios culturais e experiências interativas – é possível até tocar em animais selvagens, como elefantes, leões e girafas.